segunda-feira, 25 de março de 2013

Entrevista: Marcos Antônio Tavares Soares, professor de economia


"A informalidade é um problema estrutural identificado em todos os períodos da nossa história".


Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Marcos Antônio Tavares Soares é, atualmente, professor assistente da Uesb, onde leciona Economia Política e Economia do Trabalho. É mestre em Economia pela Universidade Federal de Campina Grande e doutorando em Desenvolvimento Econômico pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Autor de diversos artigos e do livro “Trabalho Informal: da funcionalidade à subsunção ao capital”, publicado pela Edições Uesb, Soares tem grande experiência na área de economia e atua, principalmente, em temas como a dinâmica do capitalismo, além de trabalho informal e precário.

Em entrevista ao Na Informalidade, Soares falou, entre outras questões, sobre o capitalismo e o comércio informal, além das consequências do grande número de trabalhadores informais para a nossa economia. Acompanhe a entrevista na íntegra.


Na Informalidade: O que se entende por trabalho informal? 



Prof. Marcos Antônio: Se a gente for trabalhar no campo da academia, trabalho informal pode ser entendido de diversas formas. Uma delas seria a visão legalista que é quando o trabalhador não tem carteira de trabalho, nem tem o negócio dele registrado, nem atende a legislação, tanto comercial ou trabalhista. Uma outra forma de ver o trabalho informal, numa perspectiva mais crítica, seria aquelas atividades que estão à margem da atividade comercial típica do capitalismo. O trabalhador no capitalismo clássico inglês, por exemplo, vai ter um registro de carteira, um contrato de trabalho. Então, esse trabalhador clássico do regime inglês seria um trabalhador formalizado. Nesse sentido, o trabalho informal seria aquele que não está dentro dessa legislação. Então, tudo que não estiver nessa perspectiva do trabalho clássico é colocado como trabalhado informal. E aí nós temos, às vezes, essa informalidade ligada à forma do trabalho no passado. O comércio ambulante sempre existiu, mesmo antes do capitalismo moderno se estruturar. E a gente continua tendo esse tipo de atividade, em paralelo às atividades estruturadas. Então, a informalidade, nessa segunda perspectiva, está relacionada a atividades pouco estruturadas. Independente de ter um negócio, o vendedor ambulante pode ter até um registro da prefeitura, mas ele é considerado um trabalhador informal porque é uma atividade pouco estruturada.

NI: Um grande número de trabalhadores informais, o que isso representa?

Prof. Marcos Antônio
: No Brasil, esse grande número de trabalhadores informais - porque isso não é igual no mundo todo, as diferenças são muito grandes de um país para outro - é estrutural. Se você pegar os dados do IBGE de 1920 até os dias atuais, vai encontrar uma categoria que eles classificam como trabalhador por conta própria. Boa parte desses trabalhadores por conta própria é o trabalhador que nós consideramos como informal. Nos anos 90, o IBGE fez um estudo específico sobre a informalidade em geral, com base nos estudos da OIT. Em 2005, foi feita novamente essa pesquisa para verificar o avanço ou retrocesso do trabalho informal. A informalidade está presente em dados estatísticos desde as primeiras pesquisas do IBGE no século passado e ela é produto de um capitalismo tardio. O nosso capitalismo vem se estruturar muito depois do capitalismo inglês, alemão, italiano e, aqui, o processo de estruturação do capitalismo passou a incorporar atividades pouco estruturadas, porque o capitalismo tinha que se desenvolver, mas não conseguia gerar o número de empregos necessários para o contingente de pessoas que existia. Então, vai ficando um excedente de trabalhadores que poderia ir para o que a gente chama de exército oficial de reserva ou passar a exercer as atividades informais. Então, a informalidade é um problema estrutural identificado em todos os períodos da nossa história. Já no capitalismo, desde o final do século XIX, todo século XX e agora também no século XXI a informalidade continua presente. Mesmo em crescimento da economia, a informalidade se mantém. O que muda é a substância, o conteúdo dessa informalidade, a renda, o tipo de atividade. Os dados nos levam a ver que a informalidade é um elemento intrínseco ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro. No capitalismo inglês não vê essa informalidade. Pode ser que no período recente isso aconteça, com a crise de 2008, porque tem-se um crescimento das atividades informais nos países centrais, mas o nosso caso é estrutural que vem desde o processo de desenvolvimento do capitalismo. Enquanto que lá o desenvolvimento de capitalismo levava a formalização do trabalho, aqui, o desenvolvimento do capitalismo incorporou a informalidade como elemento de desenvolvimento.

NI: Quem trabalha na informalidade tem algum direito?

Prof. Marcos Antônio
: Se o cidadão estiver trabalhando para alguém, por exemplo, uma pessoa tem uma mercearia e contrata um trabalhador sem assinar a carteira, temos um negócio informal e aquele que contratou é também um trabalhador informal. A pessoa contratada para trabalhar na empresa ou no comércio nessas condições tem direitos sim, mas não são reconhecidos pelo patrão. No entanto, se ele recorrer à justiça e comprovar que tem uma relação de emprego, de subordinação ao seu patrão, certamente vai ganhar a ação. Então, todo trabalhador que estiver em posição de subordinação a alguém, tem direitos.

NI: Dizer que uma pessoa é um trabalhador informal é o mesmo que dizer que ela trabalha de forma ilegal? 

Prof. Marcos Antônio
: Não, não acredito que seja. O trabalhador informal é aquele que está vendendo pão de queijo, picolé, por exemplo, mas não é um trabalhador ilegal. Ele pode até não estar cumprindo a legislação que diz ser necessário se cadastrar na prefeitura, como pode também estar cadastrado e ser considerado um trabalhador informal, sem necessariamente exercer uma atividade ilegal. Outro caso é o vendedor de CDs pirata que, possivelmente, é uma atividade com produto clandestino. Aí, sim, tem-se um problema com relação ao produto, mas o trabalhador não é ilegal. O produto que, talvez, tenha uma origem clandestina.

NI: No livro Trabalho Informal: da funcionalidade à subsunção ao capital, o senhor diz que a taxa de desemprego existente no Brasil tem origem num sistema incapaz de gerar emprego em número suficiente para satisfazer a oferta de mão-de-obra. Na sua opinião, o que poderia ser feito para amenizar esse problema?

Prof. Marcos Antônio
: Teríamos duas saídas. Uma seria a construção de uma sociedade socialista. O trabalho associado, de forma coletiva, certamente com redução da jornada de trabalho. Hoje, existem no mundo em torno de 50 milhões de desempregados em idade ativa. A redução da jornada de trabalho seria, no máximo, quatro ou três horas por dia e tem estudos que já apontam para isso. Numa sociedade socialista, certamente, as atividades produtivas e comerciais seriam melhor distribuídas, de modo a permitir que todos, com idade ativa e capacidade de trabalho, ficassem ocupados. Mas, aí entramos em outra área. Observa-se nos últimos anos o crescimento da informalidade. Nós tivemos de 1980 a 2005, uma baixa taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), logo, o emprego cresce pouco, mal acompanha o crescimento da população. Temos, por exemplo, a entrada de 1 milhão a 1,2 milhão de jovens por ano no mercado de trabalho, e só são gerados 800 mil novos postos de trabalho, ou seja, fica um déficit. Nos anos 2000, o Brasil começou a gerar mais emprego do que o crescimento da população, só que a gente tinha um déficit de geração de emprego que começa a ser compensado. Isso fez com que as taxas de desemprego no Brasil caíssem de 2005 a 2010, por exemplo. Saiu de um patamar em 2003, salvo engano, de 13%, chegando a 6,8% recentemente. Isso porque tivemos um crescimento do PIB, apesar dos recursos que esse produto sofreu há alguns anos, como a crise no final de 2008, houve um crescimento médio de 4,5%. Então, tivemos uma geração de emprego acompanhando esse crescimento. O crescimento do produto é o que pode fazer com que surja novos empregos com carteira assinada e todos os direitos reconhecidos. Um outro caminho dentro do capitalismo é a reforma agrária que geraria ocupação para muitos trabalhadores. Também podemos destacar que essa reforma agrária daria conta de 5 ou 6 milhões de trabalhadores. A gente tem uma população urbana que não pensa em voltar para o campo. A reforma agrária resolvia, parcialmente, o problema, e seria importante na questão da assistência social para ocupar cerca de 5 ou 6 milhões de trabalhadores. Mas teríamos também que ter políticas de crescimento que gerem emprego urbano, senão o problema do emprego urbano continuaria.

NI: Aqui, em Conquista, vai ser construído um shopping popular que contará com cerca de 300 boxes para trabalhadores da feirinha do Paraguai e alguns ambulantes da zona comercial. O que isso significa para a economia conquistense?

Prof. Marcos Antônio
: Essa intervenção do poder público é importante, porque vai garantir melhores condições de trabalho para as pessoas. Isso é de grande relevância. Vai ter um abrigo, proteção ao sol, à chuva, um tratamento sanitário, uma infraestrutura para que esses trabalhadores ganhem dignidade na sua ocupação. E para os clientes, condições mais adequadas para comprar. É de grande importância reconhecer que existe um grupo de trabalhadores que está em condições ruins de exercício de sua atividade e, de fato, será transferido para um local adequado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário